O mundo visto pela perspectiva da identidade humana.
Dentre as diversas experiências pelas quais todos nós passamos no mundo, há uma em particular que se encontra sob o campo de atenção do sujeito quando seu mapa astrológico apresenta a Casa 1 em destaque, ocupada por qualquer um dos sete planetas pessoais. Neste caso, ele presta atenção na imagem que cada pessoa passa de si mesma – inclusive, é claro, na imagem que ele passa de si próprio.
Por isso mesmo, procura sempre entender se a imagem que cada um passa de si mesmo é autêntica ou falsa, isto é, se as pessoas se mostram como verdadeiramente são ou se suas verdadeiras identidades se encontram escondidas por detrás de máscaras, por detrás dos tipos e das caras que elas forjaram para si próprias.
Este sentido, em grau elevado, leva o sujeito a ter uma visão muito clara de si próprio e, por isso mesmo, se sente transparente, como também estranha o fato de que os outros não o reconheçam tal como ele próprio se reconhece, isto é, quando as pessoas o confundem e o tomam por outra pessoa. Já em um grau muito baixo, este sentido leva o sujeito a ter uma visão confusa sobre si mesmo, sobre quem ele é, nunca sabendo então com que cara deve se apresentar e, sobretudo, qual das suas facetas é aquela que melhor representa a sua pessoa, tendo assim a impressão de que é um ser dividido, de que é duas ou múltiplas pessoas ao mesmo tempo.
Mas, seja em que caso for, este é o indivíduo para quem o mundo é um teatro, onde cada um desempenha um papel. É por isso que a diversidade dos tipos humanos, os rostos, os espelhos, a aparência, as máscaras, as caricaturas, o estilo pessoal e inconfundível, a peculiaridade de uma pessoa e sua diferença, a presença, a autenticidade, a falsidade, a hipocrisia, a dissimulação, o histrionismo, a exposição excessiva, a vergonha, a timidez, o pudor e o ridículo lhe são tão significativos. Afinal, se há algo no mundo que lhe chama a atenção e que é capaz de mostrar todo o seu sentido, este algo é a identidade humana e aquilo que, nela, há de mais característico: o jogo entre o ser e o parecer.
Em Persona, uma atriz de teatro, durante a apresentação de uma peça, entra em crise: ela paralisa e passa a não falar mais nada. Já dentro do hospital psiquiátrico, a diretora lhe diz:
“Eu lhe entendo. O desesperado sonho de ser: não aparentar, mas ser […]. Afinal, você vê uma mentira a cada inflexão sua, a cada gesto. Uma careta a cada sorriso […]. Mas você pode recusar a se mover. Recusar a falar. Assim, não teria que mentir. Pode fechar-se em si mesma, não precisando representar para os outros de maneira errada – ao menos, foi o que você pensou […]. O que é curioso é que ninguém pergunta se você é de verdade ou de mentira. Se é genuína ou somente uma imitação. […] Ainda assim, entendo por que você não fala, porque não se move, porque criou este papel apático para você. Eu entendo e admiro. Deve continuar com ele até cansar-se. Até que perca seu interesse. Só então o abandonará, assim como fez com todos os outros papéis.”
Pelo discurso da diretora do hospital psiquiátrico, entendemos a natureza da crise da atriz: é uma crise de identidade. Afinal, ela tem o desesperado sonho de ser: não aparentar, mas ser. Ela quer, em suma, ser tomada por aquilo que ela é e não pela sua aparência, pela imagem que passa de si própria.
Porém, ela vê uma mentira a cada inflexão, a cada gesto, a cada sorriso que faz. Isto significa que toda vez que ela expressa seu ser, ela acha que essa expressão é mentirosa, é falsa. E segundo o discurso da diretora, ninguém pergunta se ela é de verdade ou de mentira, se é genuína ou somente uma imitação. Ninguém se pergunta – mas ela própria se pergunta. Afinal, ela não tem certeza se a imagem que passa de si mesma reflete com fidelidade o seu ser, sua verdadeira natureza, sua identidade. É por isso, aliás, que o filme se chama Persona: palavra latina que designa a máscara do ator – a máscara que algumas pessoas usam e através da qual passam uma imagem falsa de si próprias.
Como a atriz, sob o julgamento da diretora do hospital, não está doente, ela é enviada para uma casa de praia, sob os cuidados de uma enfermeira chamada Alma. Vejam só como Bergman chama a enfermeira: Alma. Aqui, vemos o cineasta designando esta dimensão interna do ser humano, a sua dimensão psíquica. Mas o que gostaria de chamar atenção aqui e agora é para o modo como Bergman nos apresenta estes dois personagens: enquanto Alma fala muito, a atriz de teatro, chamada Elizabeth Vogler, não fala nada. Enquanto o rosto de uma está sob a luz, o rosto da outra está sob as sombras. Na cena final, a metade do rosto de uma é encaixada à metade do rosto do outra e, por conta de tudo isso, muito comentadores acreditam que Bergman está falando de uma única e mesma pessoa que se sente dividida, cindida: enquanto uma parte sua fala e se mostra como é, a outra parte se cala e esconde a sua verdadeira identidade.
Ao longo de todo o filme, Bergman emprega inúmeros closes, chamando atenção para a expressão facial dos personagens. Aliás, boa parte da narrativa só é compreendida quando se considera essas expressões faciais. Isto porque, para Bergman, o rosto constitui propriamente um mundo – um mundo que deve ser conhecido, para que a gente não se sinta enganado. E quando calculamos o mapa de Ingmar Bergman, vemos que um planeta se posiciona justamente na Casa 1, destacando-a. Quando o mapa astrológico de um indivíduo possui tal configuração, ele apresenta uma característica cognitiva muito particular: ele presta atenção na imagem que uma pessoa passa de si mesma. Por isso mesmo, tem um interesse profundo em relação ao que pessoa aparenta ser e aquilo que ela realmente é, de modo que procura sempre entender se as pessoas estão sendo autênticas ou falsas.
É, em suma, o indivíduo para quem o mundo é um palco, onde cada um mostra uma cara e desempenha um papel. Afinal, se há algo no mundo que lhe chama atenção, este algo é a auto-imagem – a imagem que cada pes soa passa de si mesma através do rosto, da face.