O Significado da Casa 1

O mundo visto pela perspectiva da identidade humana. 

Edil Carvalho

Postado 5 meses ago

Introdução

Dentre as diversas experiências pelas quais todos nós passamos no mundo, há uma em particular que se encontra sob o campo de atenção do sujeito quando seu mapa astrológico apresenta a Casa 1 em destaque, ocupada por qualquer um dos sete planetas pessoais. Neste caso, ele presta atenção na imagem que cada pessoa passa de si mesma – inclusive, é claro, na imagem que ele passa de si próprio. 

Por isso mesmo, procura sempre entender se a imagem que cada um passa de si mesmo é autêntica ou falsa, isto é, se as pessoas se mostram como verdadeiramente são ou se suas verdadeiras identidades se encontram escondidas por detrás de máscaras, por detrás dos tipos e das caras que elas forjaram para si próprias. 

Este sentido, em grau elevado, leva o sujeito a ter uma visão muito clara de si próprio e, por isso mesmo, se sente transparente, como também estranha o fato de que os outros não o reconheçam tal como ele próprio se reconhece, isto é, quando as pessoas o confundem e o tomam por outra pessoa. Já em um grau muito baixo, este sentido leva o sujeito a ter uma visão confusa sobre si mesmo, sobre quem ele é, nunca sabendo então com que cara deve se apresentar e, sobretudo, qual das suas facetas é aquela que melhor representa a sua pessoa, tendo assim a impressão de que é um ser dividido, de que é duas ou múltiplas pessoas ao mesmo tempo.

Mas, seja em que caso for, este é o indivíduo para quem o mundo é um teatro, onde cada um desempenha um papel. É por isso que a diversidade dos tipos humanos, os rostos, os espelhos, a aparência, as máscaras, as caricaturas, o estilo pessoal e inconfundível, a peculiaridade de uma pessoa e sua diferença, a presença, a autenticidade, a falsidade, a hipocrisia, a dissimulação, o histrionismo, a exposição excessiva, a vergonha, a timidez, o pudor e o ridículo lhe são tão significativos. Afinal, se há algo no mundo que lhe chama a atenção e que é capaz de mostrar todo o seu sentido, este algo é a identidade humana e aquilo que, nela, há de mais característico: o jogo entre o ser e o parecer.

A casa 1 no Cinema: "Persona", de Ingmar Bergman

Em Persona, uma atriz de teatro, durante a apresentação de  uma peça, entra em crise: ela paralisa e passa a não falar mais  nada. Já dentro do hospital psiquiátrico, a diretora lhe diz: 

“Eu lhe entendo. O desesperado sonho de ser: não aparentar, mas ser […].  Afinal, você vê uma mentira a cada inflexão sua, a cada gesto. Uma careta a cada  sorriso […]. Mas você pode recusar a se mover. Recusar a falar. Assim, não teria  que mentir. Pode fechar-se em si mesma, não precisando representar para os  outros de maneira errada – ao menos, foi o que você pensou […]. O que é curioso  é que ninguém pergunta se você é de verdade ou de mentira. Se é genuína ou  somente uma imitação. […] Ainda assim, entendo por que você não fala, porque  não se move, porque criou este papel apático para você. Eu entendo e admiro.  Deve continuar com ele até cansar-se. Até que perca seu interesse. Só então o  abandonará, assim como fez com todos os outros papéis.” 

Pelo discurso da diretora do hospital psiquiátrico, entendemos a natureza da crise da atriz: é uma crise de identidade.  Afinal, ela tem o desesperado sonho de ser: não aparentar,  mas ser. Ela quer, em suma, ser tomada por aquilo que ela é e  não pela sua aparência, pela imagem que passa de si própria.  

Porém, ela vê uma mentira a cada inflexão, a cada gesto, a cada  sorriso que faz. Isto significa que toda vez que ela expressa seu  ser, ela acha que essa expressão é mentirosa, é falsa. E segundo  o discurso da diretora, ninguém pergunta se ela é de verdade ou de mentira, se é genuína ou somente uma imitação. Ninguém se pergunta – mas ela própria se pergunta. Afinal, ela  não tem certeza se a imagem que passa de si mesma reflete  com fidelidade o seu ser, sua verdadeira natureza, sua identidade. É por isso, aliás, que o filme se chama Persona: palavra  latina que designa a máscara do ator – a máscara que algumas  pessoas usam e através da qual passam uma imagem falsa de  si próprias.  

Como a atriz, sob o julgamento da diretora do hospital,  não está doente, ela é enviada para uma casa de praia, sob os  cuidados de uma enfermeira chamada Alma. Vejam só como  Bergman chama a enfermeira: Alma. Aqui, vemos o cineasta  designando esta dimensão interna do ser humano, a sua dimensão psíquica. Mas o que gostaria de chamar atenção aqui  e agora é para o modo como Bergman nos apresenta estes  dois personagens: enquanto Alma fala muito, a atriz de teatro,  chamada Elizabeth Vogler, não fala nada. Enquanto o rosto de  uma está sob a luz, o rosto da outra está sob as sombras. Na  cena final, a metade do rosto de uma é encaixada à metade do rosto do outra e, por conta de tudo isso, muito comentadores  acreditam que Bergman está falando de uma única e mesma  pessoa que se sente dividida, cindida: enquanto uma parte sua  fala e se mostra como é, a outra parte se cala e esconde a sua  verdadeira identidade.  

Ao longo de todo o filme, Bergman emprega inúmeros closes, chamando atenção para a expressão facial dos personagens.  Aliás, boa parte da narrativa só é compreendida quando se  considera essas expressões faciais. Isto porque, para Bergman,  o rosto constitui propriamente um mundo – um mundo que  deve ser conhecido, para que a gente não se sinta enganado.  E quando calculamos o  mapa de Ingmar Bergman,  vemos que um planeta se  posiciona justamente na Casa  1, destacando-a. Quando o  mapa astrológico de um indivíduo possui tal configuração, ele apresenta uma característica cognitiva muito particular:  ele presta atenção na imagem que uma pessoa passa de si mesma. Por isso mesmo, tem um interesse profundo em relação ao que pessoa aparenta ser e aquilo que ela realmente  é, de modo que procura sempre entender se as pessoas estão  sendo autênticas ou falsas.

É, em suma, o indivíduo para quem  o mundo é um palco, onde cada um mostra uma cara e desempenha um papel. Afinal, se há algo no mundo que lhe chama  atenção, este algo é a auto-imagem – a imagem que cada pes soa passa de si mesma através do rosto, da face.